quarta-feira, 15 de junho de 2011

A Blusinha Azul

Quando se conheceram, ainda não existia a blusinha azul. Ela fora adquirida mais tarde, peça de pijama, feita para dormir e sonhar com todos os anjinhos, demônios terríveis. Tão bonita a blusa. Tão azul a blusa. Delicadinha como eram as nuvenzinhas no céu.
Pois bem. Era tão graciosa aquela peça de roupa de dormir, que a moça passou a vesti-la também por baixo das vestes de escola. Era fresca e confortável, feita para velar sono em noite de verão pesado. Bem gostosa ela era. Depois, então, eles se conheceram: a moça e o moço.
Quando tomava banho, a blusinha azul secava ao sol e cheirava bem. E assim modelava o corpo da moça, e dele saía cheirando ainda melhor, - diziam - pois tinha o perfume do suor, das loções, cremes e cosméticos mil.
O moço baixava as alças da pecinha, erguia as rendas de sua base e, por vezes inúmeras, abraçava a roupa vazia para depois abraçar um corpo nu. A moça gemia. A blusa deixava-se ao chão, sorrindo sempre, observando a dona alegre.
Houve um dia em que a blusinha azul não foi nem vestida, nem lavada. Foi dobrada e enfiada às pressas numa bolsa. Nada entendia naquele escuro todo, sem calor de pele ou de sol. Mas, ah!, a bolsa foi aberta, a blusa tomada nas mãos da moça e entregue ao moço. Claro, teve saudades da dona, mas era beijada e abraçada às noites. Por um homem!
A garota ia visitá-la às vezes, mas então o rapaz não mais desejava a blusa, e sim o corpo. A pecinha se entristecia. Houve uma noite em que o moço bateu na blusinha azul e a jogou no chão e a chutou. A moça veio buscá-la depois de alguns dias. Acariciou-a muito e a beijou também. Olhava a cor azul encardida, mas era tão linda, tão gracinha, cheia de rendinhas brancas (agora cinzentas). A dona chorou muito sobre sua roupa. Chorou tanto, tanto, tanto... E não cessava o choro. Tomou um banho com seu pijaminha no corpo - depois de algum rum - e secou-o ao sol do dia seguinte.
Por fim, a moça olhou a blusinha azul, beijou-a mais uma vez, dobrou-a e guardou-a na gaveta para nunca mais. Nunca, nunca mais. Por mais que grite essa peça tão usada.

5 comentários:

  1. Achei muito legal como manifestam-se, nessa blusinha, a delicadeza, o amor, o tempo, a dor e um certo tipo de morte, de fim.

    Gostei muito dessa idéia, da blusa deixa de ser blusa e passa a ser parte viva, a forma como os personagens nela se manifestam.

    Uma blusa, uma vida... não sei... fico confuso como os sentimentos que perambulam pelas palavras do texto...

    Gostei muito, Giulia... Tantas coisas mais eu poderia escrever sobre o seu texto, mas por enquanto, digo que gostei...

    E gostei mesmo! Um abraço!

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  2. Quem nunca teve uma blusa azul, que no fim, deve ser guardada...

    Já tive tantas blusas azuis, umas nem usadas, mas nem por isso deixaram de ser blusas azuis.. ;)

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  3. Esse texto me dá arrepios. Talvez por me forçar a lembrança de minha blusinha azul, nunca usada.

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  4. Lindo, Giulia! Você conseguiu contar a mesma história de uma maneira totalmente diferente, talvez não seja original, mas com certeza é criativa e sensível. Isso daria um curta metragem muito interessante. Pense nisso!

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