segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Contemplação

Agora, em algum lugar lá fora, está um cavalo escondendo-se da tempestade. O dorso, cor de bronze, fica completamente branco, tingido pela luz do céu. Esse animal não sabe bem quem é, não conhece os olhos que tem.
São puramente olhos de cavalo muito vivo, um que corre, trota e empina. Não faz ideia da força que tem. Esse animal é tão forte quanto os lobos que o perseguem, ou quanto os homens que o dominam. É tão forte quanto as moscas que o atormentam.
Acontece que agora nada importa, porque chove, e a chuva é um pedacinho de morte. Eis um segredo: no interior de cada olhar há o brilho das chuvas do mundo. Chover é cair na terra a luz dos olhares.
Lá está ele, nosso cavalo, até pode-se ver. A crina negra escorrendo molhada, as patas sensuais tremendo de medo e excitação. Lá está a curva da nuca dele. O movimento, a direção, o sentido. Não haverá, então, um único dia de sol capaz de apagar essa noite de intensa tormenta.
Mas ele não sabe, não. Ideia não faz de que amanhã poderá quebrar a perna em um barranco e terminar levando um tiro entre os olhos. Continua a desimportância. É preciso lembrar: já há um pouco de morte em cada olhar. E essa chuva toda já está molhando o meu cavalo.