sábado, 17 de outubro de 2009

O Homem Cor de Canela e a Terra que Ninguém Pisa

Saltou de um poema infantil um homem. Um bicho, cheio de tudo. Caminhou por ladrilhos de tempo. Pisou nos vários dias que se passaram, fez-se.
Os ladrilhos foram refeitos, redesenhados. Não eram mais dias, eram anos. O homem buscava, procurava, ansiava. Por quem, bicho homem? Por quê?
Certa feita tentou voltar à sua casa, mas não havia mais poema. Leu todos os outros, conheceu seus autores. Nada de lar.
Subiu uma escada metafísica que lhe presenteou com a dúvida. Entrou em uma sala mística que lhe deu aquilo que não sabemos nomear, mas chamamos de fé.
Lá encontrou um espelho. Viu-se então um homem alto, cor de canela. Um dia, sozinho, buscando ainda sua casa, avistou uma criança. Uma menina de costas brancas, usando um vestido vermelho e negro, procurando.
Viram-se homem e menina. Esta aproximou-se pisando em oito, dez ladrilhos de tempo. Viram-se homem e mulher. Deram-se as mãos e juntos descobriram uma gaveta fechada. Juntos abriram-na e encontraram o poema infantil.
A nova mulher reouve sua obra; o homem, seu lar. E assim, tão juntos, tão loucos, saltaram para dentro do papel de carta.
E essa Terra dentro do peito? Nesta, nem ladrilhos nem tempo se colocam.

Grande Não Sei

Um cão tapete, um fogo e as gentes. Procurei entender os interesses delas, mas não pareciam importantes. Era um grande "já que estou aqui". Todos suportando o dever, buscando o que fazer, fazendo nada, nem sequer buscando.
Sou uma janela. A fuga de mim é justamente olhar para dentro. Coisa que faz de minha fuga um fracasso. Fracasso fugitivo caçador.
O olhar para dentro é enxergar. Enxerguei então (fora de mim estavam as gentes) a curva da nuca dele. Encaminhava perfeitamente aos ombros, aos braços, aos dedos. Então aos cabelos negros e de volta àquela curva da nuca dele.
A curva de meus caminhos.
O fogo ia se esgotando, o tapete se agitava dormindo, as pessoas ressuscitavam, aflitas, aquela única luz comum. Vai apagar, vai apagar! E os estalos tornavam a acomodar os ânimos.
O silêncio não existe lá fora, mas aqui dentro é um respirar interrompido. E possui olhos que caem sobre o que se pensa. Cílios enormes, curvados. Lá, pessoas acordam, dormem, andam, tudo ao som da Für Elise urbana.
Os livros na mesa, o antigo relógio de pêndulo na parede, ambos condenando-me, palavra e tempo possuindo-me. Fizeram com que eu me lembrasse dos nomes que se lembram de mim. Não sei se lembro ou se sou memória.
Os parentes se incomodavam sentados e acomodavam-se novamente. As gentes, um fogo e um cão tapete. Enxerguei a neblina dos olhos dele.
Neblina de meus pecados.
Chá quente na garganta e eu ia procurando, procurando meus próprios interesses. Ia odiando os olhares sobre mim. Deixem-me com minhas saudades! Com meus afetos proibidos. Deixem-me.
Mas não deixavam, pois eu era só um elemento das gentes. Só uma gentinha coitada somada a um cão tapete e a um fogo. Os olhares continuavam a passar por mim, furtivos.
Todos os dias são noites frias onde há um cão, um fogo e gentes tapetes. Enterro em mim os sonhos do mundo.