sábado, 24 de abril de 2010

Isso é um beco

Os cigarros estão molhados, estão dentro da poça d'água. Uns estão deitados sobre o musgo, outros sobre o concreto.
Os cigarros não se olham. Estão sós, usados, gastos. Foram queimados na boca de alguém, esmagados em algum canto e atirados ali, no chão.
Os cigarros da poça são sempre evitados. Sua indiferença esta afogada. Aqueles do concreto são sempre pisoteados e cuspidos.
O interior venenoso dos cigarros ainda exala um odor cinzento, um perfume de alívio, um aroma de tristeza e abandono.
Pelas bocas que passaram deixaram parte de si, marcaram o corpo com veneno e acalentaram a alma que os fumou.
São fumados, mas consomem. De tanto consumir um dia acabam. E são muitos, em toda parte. São um resultado.
Em algum momento virá uma chuva - não a esperam ou desejam - que os levará a um bueiro qualquer.

domingo, 4 de abril de 2010

Conto dos Olhos

Era um coração, assim vazio. A alma é que era cheia de tudo e demais; transbordava. Mas o vazio do coração não resistia às batidas e refugiava-se nos olhos.
Os olhos, então tão cheios de vazio, eram vazios e cheios. Olhavam e não viam; enxergavam. O recheio, tão feito de nada, era denso, era tudo.
O que todos viam era um alguém que existia de mau grado e de agrado. Gostavam das mãos frias que iam aos olhos frios, cheios e vazios, que todos julgavam quentes. Gostavam, talvez, do não-existir desse alguém.
Sendo um "não", era alguém que inspirava certo orgulho, um certo não sei quê. E foi vivendo, sendo um não-não-sei-quê, de mau grado agradando, com dois olhos cheios e vazios. Ou mil, não se sabe.